quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Pé d'água

Por Marta Baião

Depois de meses de sol implacável e calor sufocante,finalmente choveu em São Raimundo Nonato.E que chuva!
Há dois dias o reinado absoluto do Sol escaldante tem dado uma trégua.Para a alegria de muitos.Me incluindo,claro!
Adoro dias chuvosos.Ver o céu repleto de nuvens carregadas,prestes a precipitar uma chuvinha daquelas me deixa super empolgada.É algo que me fascina,me enche de nostalgia,de alegria,de leveza...enfim,bons sentimentos e energias.
Para algumas pessoas céu nublado e aguaceiro é sinônimo de tristeza e solidão.Destoando completamente deste grupo de ranzinzas e mau humorados,não perco a oportunidade de banhar-me na chuva.É quase um ritual.E ontem durante esse 'ritual' fui levada a um questionamento:de que maneira a chuva é recebida nos outros bairros e ruas da cidade?Digo outros porque na parte do bairro onde moro,conhecida como 'Rua de Baixo',sei bem como os moradores a recebe.É algo que de tão pitoresco merece um relato.À menor ameaça de chuva já nos deparamos com a gurizada eufórica — vamos 'banhar' na chuva?— é o que mais se ouve.E nem adianta vir com a sabedoria dos antigos de que banhar-se na primeira chuva é prejudicial aos pulmões,causa gripe,ou qualquer coisa do tipo.O que os pequenos querem mesmo é se deleitar com a água que vem das alturas.Mas não só a gurizada,pois aqui não há restrições etárias,nem constrangimentos para se confraternizar com a natureza.Seja criança,adolescente,jovem ou adulto,a ordem é pôr o pé na rua e deixar-se encharcar,agradecendo aos céus pela chuva que cai,ou simplemente aproveitando a água para lavar o corpo e a alma.
O costume é tão forte, que passado os anos, as diferentes gerações continuam a se encontrar no local preferido para o festim em honra a chuvarada - a pracinha da Igreja Matriz.O cenário por si só já é encantador - uma igreja centenária,casarões de traços coloniais e um jardim verdejante.Acrescido de uma chuva forte e prolonganda então...hum,fica bem mais estonteante.Assim sendo,na tarde de ontem,incorporado os novos elementos ao cenário - uma baita chuva,euforia,gritaria,pulos,sorrisos,sustos(raios e trovoadas...rs) seguidos de boas risadas - ficou uma cena bonita de se ver,mas acima de tudo,de viver.
Nesse mundo tão cheio de superficialidades,foi confortante perceber que ainda existem pessoas saboreando esses momentos singulares.
Parafraseando uma citação que vi em algum lugar: as pessoas só serão realmente felizes quando conseguirem enxergar o caráter extraordinário dos momentos ordinários da vida.
E que venha mais chuva,mas com o mínimo de raios e trovões.Please!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O primor vem da dedicação

                                
Por Marta Baião
Há inúmeras discussões acerca da questão do talento,do dom ou ainda habilidades inatas e/ou adquiridas.Acredito na exitência do dom,onde pessoas nascem com destrezas artísticas excepcionais.Porém o encaro como casos isolados.Na minha concepção o que impera mesmo é o esforço e afinco na hora de desempenhar qualquer atividade,seja ela artística ou não.

Na minha família muitos possuem aptidão para o desenho.Se é um talento inato ou adquiro,não cabe a mim julgar.O certo é que sempre me causou admiração esse engenho deles com as linhas,os traços,as sombras,a perspectiva...

Me tomava a vontade de um dia também ser ao menos um pouquinho hábil com o lápis.Em 2003(se não me falta a memória...rs),resolvi tentar.E para minha agradável surpresa, constatei que também era habilidosa(ainda que de forma amadora) com o desenho.A partir desse momento, a tese que defende as habilidades e talentos como adquiridos só foi corroborada.

Deveras displicente na frequência que me dedico ao desenho,sempre sinto uma baita dificuldade quando me ponho a desenhar.E isso me leva a crer que o primor em qualquer tarefa só pode ser atingido por meio da presistência e esmero.

Tendo nota zero no quesito dedicação,espero um dia superar isso.Somente dessa forma poderei aprimorar meu traço.

A imagem que ilustra o texto foi um dos meus primeiros 'rabiscos'.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Arroubos de sabedoria














Por Marta Baião

O dia estava findando, e dona Letícia,82 de existência,observava sentada da porta de sua casa, o movimento caótico das pessoas retornando aos seus lares.A senilidade trouxe, além do enfraquecimento físico, a carência de pensamentos minimamente lógicos,ainda que momentos de lucidez se dessem de forma esporádica.E era o sentimendo de nostalgia aguda que proporcionava esses lampejos de coerência reflexiva.

Naquele final de tarde do mês de setembro,dona Letícia foi tomada por uma saudade mórbida do seu amado,seu Dionísio,há 10 anos ausente, após a visita da 'indesejada das gentes',como dizia Manuel Bandeira.Fadada a uma vida reclusa e solitária depois da morte do esposo,passou a viver uma espécie de ostracismo domiciliar.Visitas eram parcas,uma vez que possuia poucos parentes residentes na cidade.

A única pessoa que se dispunha a visitá-la diariamente era Evilásio,estudante universitário,recém chegado na cidade,a quem o fato de morar nas proximadades do monumental casarão de dona Letícia causava-lhe grande encatamento.O jovem era um apaixonado por relíquias,por tudo que trouxesse ou o rementesse à tempos pretéritos,mesmo que trazendo apenas pequenas reminiscências históricas.Assim,a anacoreta senhora surgia como uma memória viva a ser desvendada.

Há 5 meses as visitas de Evilásio se davam de forma quase initerrupta.E aquele prelúdio noturno reservava surpreendentes revelações.Ele se aproxima da rua em que ambos moravam,logo avista dona Letícia elegantemente sentada observando o vai-e-vem de carros e pessoas.O olhar denotava uma tristeza acentuada mais do que de costume.Então,com entusiasmo juvenil,ele tentou abordá-la de maneira a descontraí-la:

— A noite mal desponta e a senhora se encontra bela como a quem vai ao mais badalado evento do ano?A que se deve tamanho embelezamento?

Um leve sorriso contido brota de sua face,sorriso esse que contrastava com o diálogo que se seguiria por mais ou menos 2 horas.Com a voz já trêmula,ela disse:

— É impossível haver qualquer tipo de beleza na melancolia.Somente pretensos poetas de boteco conseguem enxergar o belo,enquanto o coração está tomado pela angustia de se viver sozinho.

Seguiu-se segundos de puro silêncio.Não aquele silêncio incômodo,mas um silenciar necessário quando se quer proferir algo que conforte uma alma inquieta.Os 5 meses de convivência deu a Evilásio uma certa idoneidade para discernir quando era oportuno estebelecer uma conversa de cunho emocional com sua adorável vizinha.E aquele era um desses dias.

Dona Letícia tomada pela nostalgia era sinônimo de encadeamento de sentenças morais e emocionais eivadas de sabedoria.Aquela sabedoria que não se adquire em livros ou centros acadêmicos,mas aquela que se processa na luta incessante contra as vicissitudes impostas pela vida.